Notícia CNH sem autoescola? Entenda prós e contras da medida do Governo Lula

Nesta terça-feira (29), o ministro dos Transportes, Renan Filho, revelou uma proposta que pretende acabar com a obrigatoriedade da autoescola para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). De acordo com o representante do governo, a medida faz parte de um plano para reduzir o custo e as exigências para a emissão do documento.

Apesar de prometer uma maior flexibilidade no processo e redução de mais de 80% no custo para obtenção da habilitação, a medida levanta questionamentos sobre a qualidade da formação dos motoristas sem a obrigatoriedade dos cursos oferecidos pelos Centros de Formação de Condutores (CFCs).

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Nesta matéria, você confere o que foi apresentado até então pelo governo e as motivações para a proposta, além da opinião de especialistas em trânsito, organizações de segurança viária, sindicatos e órgãos oficiais.

Como o candidato vai tirar a CNH sem autoescolas?


Antes de entender o que é proposto na medida, é preciso saber como o processo de obtenção da carteira de motorista funciona hoje no Brasil. De acordo com a Resolução nº 789/2020 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), ter a CNH é preciso que o candidato passe pelas seguintes etapas:

  • Avaliação psicológica e exame de aptidão física e mental;
  • 45 horas de aulas teóricas em autoescolas;
  • Exame teórico;
  • 20 horas de aulas práticas em autoescolas;
  • Exame de prática de direção veicular.

Para cumprir todos esses passos é preciso que o cidadão pague as taxas do Detran (avaliação psicológica, exame médico, exame teórico, exame prático e emissão da PPD) e as aulas ministradas pelas autoescolas, que são a parte mais cara do processo.

Dessa forma, a solução oferecida pelo governo para reduzir o custo da habilitação é tornar essa etapa facultativa. Para o C-Level Entrevista, Renan Filho afirmou que caso a mudança aconteça, o candidato poderá recorrer a outros para aprender a conduzir, mas ainda assim precisará ser aprovado nos exames técnico e prático para obter a CNH, que não serão alterados.

Candidato poderá tirar CNH por conta própria


Segundo a assessoria do Ministério dos Transportes, o candidato poderá decidir quantas horas de aula precisa e poderá escolher uma autoescola ou contratar um instrutor autônomo credenciado, que não precisará estar vinculado a uma empresa. O governo também pretende tirar as exigências de ter um carro adaptado para o treinamento, dessa forma a pessoa poderá usar um carro particular ou um veículo do próprio instrutor.

No entanto, Renan Filho afirmou que uma pessoa pode aprender a dirigir por conta própria apenas se estiver em uma via fechada privada, como em um condomínio, por exemplo. Mas, de acordo com o ministério, não haverá permissão, por exemplo, para que um pai ensine o filho na rua.

Nos casos de uma via pública, o candidato tem que respeitar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e estará cometendo uma infração se conduzir sem instrutor. Esse modelo é inspirado em outros países em que esse método já é aplicado, como por exemplo na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Autoescolas facultativas representam uma economia de mais de 80%, segundo o governo


De acordo com o governo, essa medida vai fazer muito bem para o bolso do cidadão brasileiro. Isso porque o custo para tirar a carteira no Brasil está entre R$ 3.000 a R$ 4.000, a depender do estado, e para o ministro o processo “é caro, trabalhoso e demorado. São coisas que impedem as pessoas de ter carteira de habilitação”.

A pasta que elaborou a proposta realizou uma pesquisa para orientar as diretrizes do programa e encontrou “situações alarmantes”. Segundo o relatório, em algumas cidades médias do país, 40% das pessoas dirigem sem ter a habilitação. A conclusão foi que, entre pagar o custo da habilitação e comprar uma moto, por exemplo, a pessoa escolhe a segunda opção.

Para ele, o programa ajudará a população de baixa renda a ter acesso à carteira, além de facilitar a formação de mão de obra no país e o acesso ao primeiro emprego. Segundo os seus cálculos, o plano pode reduzir em mais de 80% o valor da CNH e não traz custos adicionais ao Tesouro Nacional.

Renan Filho ainda acredita que o processo com alto custo é uma das razões da falta de motoristas profissionais no Brasil. Como o trabalhador demora a ter a primeira carteira, o processo dificulta a formação do condutor de caminhões, tratores e máquinas agrícolas (categoria C) e de ônibus, micro-ônibus e vans (categoria D).

Autoescolas defendem categoria e reforçam importância da educação no trânsito


O ministro dos Transportes afirmou que espera resistência por parte dos Centros de Formação de Condutores. De acordo com ele, o setor atende de três a quatro milhões de pessoas que tiram carteira por ano, movimentando até R$ 12 bilhões.

Renan Filho afirmou: “as empresas vão continuar. Agora, vai permanecer quem for eficiente, quem gerar um curso que tem eficiência. Mas eu sou contra sempre que o Estado obriga o cidadão a fazer as coisas. Se você achar que precisa, vai lá e faz.”

Em resposta, entidades como o Sindicato dos Centros de Formação de Condutores (Sindicfc) e a Federação Nacional das Autoescolas do Brasil (Feneauto) se manifestaram em seus canais oficiais e mídias sociais contra a proposta.

No Instagram, as organizações fizeram vários posts compartilhados levantando a questão da qualidade da formação do condutor e dos riscos que a não obrigatoriedade dos cursos das autoescolas pode trazer para a segurança no trânsito.


Em vídeo, Alisson Maia, vice-presidente do Sindcfcs/CE reforça que a educação no trânsito é uma etapa fundamental para garantir a segurança no trânsito que salva vidas. O representante reforça que é necessário reduzir os custos da CNH, mas sem prejudicar milhares de empresas e comprometer ainda mais os empregos de quem trabalha no setor de autoescolas.

Mas, e como fica a formação dos motoristas?


Apesar de facilitar o acesso à Carteira de Habilitação, a medida gera preocupação quando o assunto é a qualidade da formação dos condutores e como isso vai impactar no trânsito e na segurança. De acordo com Roberta Torres, especialista em educação no trânsito, a medida é um retrocesso e trará prejuízos no aprendizado dos condutores.

Ela destaca: “eliminar as únicas etapas de educação e formação é, no mínimo incoerente uma vez que temos um Plano Nacional de Redução da Mortalidade que é o PNATRANS, com metas estabelecidas para justamente melhorar esses processos e contribuir para a redução da mortalidade.”

O CFC é a instituição mais capaz para lidar pedagogicamente com um aprendiz. Um pai, um amigo ou um irmão, sem a qualificação de um profissional dificilmente vai conseguir ensinar, principalmente na prática o que é uma condução segura, segundo a autoridade no assunto.

Além disso, Roberta aponta outros problemas como a fiscalização e qualidade do ensino. A Feneauto (Federação Nacional das Autoescolas do Brasil) estima que existam mais de 15 mil autoescolas em atividade no país que estão sob jurisdição dos Detrans com uma regulamentação de serviço, que ainda é ineficiente.Se a situação está longe do ideal, colocar um número muito maior de instrutores autônomos na equação, vai tornar o cenário ainda mais difícil de controlar e fiscalizar.

Existe outra alternativa para a proposta?


A alternativa proposta por Roberta Torres para reduzir o custo de obtenção da carteira de motorista sem prejuízos na formação do condutor seria acabar com as taxas dos Detrans (avaliação psicológica, exame médico, exame teórico, exame prático e emissão da PPD). Dessa forma, o candidato teria mais tranquilidade até em caso de reprovação.

Recentemente, o Governo Lula aprovou a proposta da CNH Social Nacional que altera o artigo 320 do CTB estabelecendo que o valor das multas de trânsito também podem ser usados para custear esse programa. O governo poderia estudar possibilidades como essa adotar políticas públicas que arquem com as tarifas do processo de habilitação.

Por fim, a especialista também propõe a melhoria do processo de habilitação. De acordo com ela, hoje, as provas exigem que o aluno decore ao invés de levar a reflexão, enquanto nos exames práticos há análises subjetivas que não buscam objetivos claros. A qualidade da formação deve ser priorizada ao invés de simplesmente acabar com um processo educativo, afirma.

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