Notícia Simca Chambord: potência extra o transformou numa bomba

A história é antiga, e podemos afirmar que teve início lá no comecinho dos anos 1930. Na ocasião, a Ford lançou, ao redor de 1935, um pequeno motor V8 com 2.2 litros de capacidade. Concebido pela matriz norte-americana, esse V8 de 136 pol³ agradou bem mais o consumidor europeu, adepto a motores de menor cilindrada, e foi bastante difundido no Velho Continente. Já no pós-guerra, Henry Ford queria expandir os braços da marca por lá, e resolveu lançar um carro na França. Falamos do Vedette, que acabou tendo seu projeto adquirido pela francesa Simca em 1954. Seu trem-de-força era o mesmo dos anos 1930, incluindo o V8 2.2.

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Na ocasião, a Ford já tinha, em fase bastante avançada, o projeto de uma nova geração do Vedette, que acabou sendo repassada também à Simca (“Société Industrielle de Mécanique et Carrosserie Automobile”, que em francês significa “Sociedade Industrial de Mecânica e Carrocerias Automotivas”). Assim, em meados dos anos 1950, nascia o novo Simca Vedette, que acabou sendo produzido no Brasil a partir de março de 1959. O nome tupiniquim era outro, Simca Chambord, mas o motor V8 era aquele projetado pela Ford na década de 1930.

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Simca Chambord estreou no Brasil em 1959

Desde aquela época, o tal V8 era conhecido popularmente como “V8-60”, clara referência a sua (limitada) potência bruta. Outro nome que se tornou popular foi “Aquilon”, dado pela Ford francesa. Claro que, ao longo de décadas, quando chegou ao Brasil, esse motor de origem Ford já tinha 2.35 litros de cilindrada, e não mais 2.2 litros originais. Já gerava 84 hp brutos, com concepção simples e robusta, fácil e barato de ser produzido, mas tecnicamente limitado. Pois, lembramos, era um motor com quase 25 anos de projeto, e que havia sido desenvolvido já como um propulsor de entrada.

Mas, com 84 hp brutos, a sua estrutura dava conta do recado. Mesmo considerando-se as válvulas de admissão e escapamento no bloco, e seu cabeçote com tampa plana de cilindros, apenas. Por isso, ficou conhecido como “flathead”, ou “cabeça plana”. Além disso, tinha virabrequim apoiado em apenas três mancais: um central e dois laterais. Isso, claro, imprimia ao virabrequim grandes cargas, que levavam a sua deformação a longo prazo. Ou seja, ele trabalhava em altas rotações e não tinha apoio suficiente.

Simca Chambord era lento devido ao motor antigo


Com o passar do tempo, uma das reclamações dos consumidores do Simca Chambord é que o carro era lento e consumia muito combustível. Sem dúvidas, defeitos decorrentes da grande idade do projeto, e de suas limitações técnicas. Uma delas, a dificuldade do aumento da taxa de compressão, já que as câmaras de combustão tinham grande volume. Com isso, seu rendimento térmico caía drasticamente.

Com o passar do tempo, em 1961, a Simca brasileira desenvolveu um novo virabrequim, que aumentava o curso dos pistões, e consequentemente a cilindrada do motor. Subiu de 2.3 para 2.4 litros, fazendo com que a potência bruta (SAE) ficasse ao redor dos 100 hp. Claro que estavam mexendo na parte de cima, para aumentar o rendimento do motor. Mas a parte de baixo, com só três mancais, sofria com esse aumento de potência. Lembrando que, no motor dos anos 1930, não era previsto um aumento de cilindrada com potências na casa dos 100 hp.

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Henry Ford colocou o V8-60 em produção nos anos 1930 e ele continuou em linha por décadas

Mas o consumidor brasileiro ainda reclamava, e a Simca seguiu na sua busca por mais potência naquele tímido projeto do V8-60. Para tal, criaram outro virabrequim maior em 1964, chegando assim a 2.515 cm³. Esse era o limite do projeto daquele V8, que começou com 2.2 litros. O motor, batizado de “Tufão”, ganhou bastante força em baixas rotações, o que facilitava as arrancadas e retomadas, sem contar as subidas, vencidas sem tanta dificuldade assim. Lindo!

Só que, lembram da parte de baixo? Pois é, ela continuava igual. O motor, já 2.5, rendia 112 cv brutos, e o pobre do virabrequim seguia com três pontos de apoio, ainda. Maior, ele recebia a pancadaria dos oito cilindros. Em termos técnicos, ou no bom “engenheirês”, esse movimento de torção é chamado de “flambar”. Quanto mais potência, mais o virabrequim “flambava”, e ia torcendo ao longo do tempo. Após anos de uso, empenava.

Ganho de potência não previu revisão dos mancais


A sede por mais HP’s continuava. Os responsáveis pela marca aqui no Brasil sabiam que aquele V8 estava no seu limite de cilindrada, pela limitação técnica das dimensões do bloco, mas havia uma solução: reprojetar o cabeçote. Como nos EUA esse motor ficou em produção por anos, preparadores norte-americanos desenvolveram um cabeçote fundido em alumínio, em que as válvulas do bloco passavam para as cabeças dos cilindros. Ou seja, iam parar nos cabeçotes. Um grande passo evolutivo que, praticamente, reinventava esse velho motor da década de 1930.

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A versão mais moderna do V8 ganhou comandos de válvulas no cabeçote, mas deficiência nos suportes do virabrequim era garantia de problemas

O tal cabeçote norte-americano servia à carros de competição nos EUA, mas cairiam como uma luva nos nossos sedãs Simca. Não tiveram dúvidas: foram à América do Norte, trouxeram alguns kits de preparação desses, e o “copiaram” para uso nos carros nacionais, para a alegria do consumidor brasileiro. O velho V8 dos anos 30 virou um canhão com esse kit de cabeçotes de alumínio, válvulas na cabeça e câmaras de combustão hemisféricas (daí criou-se seu nome, “Emi-Sul”). Para que se tenha uma ideia, de 112 hp brutos da versão anterior, ele passou para 140 hp brutos.

Já imaginaram esse motor, projetado com 60 hp pela Ford três décadas antes, e depois lançado no Simca Chambord em 1959 com 84 hp brutos, alcançando a marca dos 140 hp em 1966? Uma epopeia em busca de potência, que tinha dado excelentes resultados práticos. Mas, espera um pouco…e a tal parte de baixo, que só tinha três mancais no virabrequim? Essa continuava exatamente igual ao do projeto dos anos 1930, pelo incrível que pareça. Vocês, caros leitores, acham que podia dar certo?

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Simca Chambord com 141 “cavalos brutos” voava baixo, mas o risco de empena do virabrequim era enorme

Fácil intuir que não! Mesmo assim, esse V8 “Emi-Sul” durou de 1966 até 1969, chegando a entrar na fase da Simca sob propriedade da Chrysler. O Esplanada ainda era movido por esse motor. Para quem rodava de forma suave, sem exigir do carro, em condições ideais, o bom e velho Aquilon dava conta do recado. Só que, com os “pé-de-chumbo” ao volante, aqueles que exigem altas potência, torque e velocidades, esses tinham sérios problemas de empenamento do virabrequim, muito sobrecarregado nessas condições.

Nas piores situações, o virabrequim empenava, e fundia bronzinas de bielas ou um dos três mancais de apoio. Coisa séria, que podia condenar o motor. A parte de cima ficou excelente. Pena que esqueceram da parte de baixo. Os Chrysler Esplanada com V8 Emi-Sul duraram até meados de 1969, quando, definitivamente, encerrava-se a produção do veterano “V8-60”. Histórias da nossa indústria automotiva…

 
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