Recentes anúncios de investimentos chineses em infraestrutura colocaram as ferrovias brasileiras em foco. Durante visita oficial do governo brasileiro ao país asiático em maio, Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, chegou a afirmar à Carta Capital que a China quer “rasgar o Brasil com ferrovias”.
Pequim, que construiu um megaporto no Peru, discute financiar uma ligação ferroviária transcontinental ligando o Pacífico ao Brasil. No eixo interno, empresas chinesas já negociam participação no projeto de trem de alta velocidade (TAV) entre Rio de Janeiro e São Paulo, o primeiro trem-bala do Brasil.
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Só a linha que liga Rio e São Paulo custará R$ 60 bilhões, e Tebet já disse que não há dinheiro público suficiente para isso. Dessa forma, grupos da China se juntaram a empresas da Espanha e do Oriente Médio para financiar a obra.
Mas será que um trem-bala é realmente a melhor opção para o Brasil? Aparentemente, não. Tanto que os planos para uma linha de alta velocidade não vão além da rota entre as maiores cidades do país.
A China impressiona pelo sucesso em implantar trens-bala: são 48 mil km de linhas de alta velocidade, a maior rede do mundo. Em 2008, eram apenas 671 km; em 2010 já eram 8.358 km e, para 2030, a meta é chegar aos 60 mil km. Um desenvolvimento tão rápido que serve de propaganda política para o regime comunista, dizem estudiosos do setor.
Porém, do ponto de vista financeiro, nem tudo são trilhos de ouro. Muitas rotas chinesas operam com déficit e dependem de pesados subsídios governamentais. Segundo uma análise da Universidade de Pequim, a receita de passageiros dos TAV na China mal cobre os juros das dívidas contraídas para construí-los.
O endividamento da operadora estatal China Railway saltou de cerca de US$ 58 bilhões em 2005 para US$ 576 bilhões em 2016 – cerca de 70% desse total associado à expansão da alta velocidade. Globalmente, apenas duas linhas de alta velocidade são lucrativas: Paris–Lyon na França e Tóquio–Osaka no Japão. A maioria exige grandes aportes públicos para se manter, como apontam relatórios do Banco Mundial e da OCDE.
A experiência internacional mostra que trens-bala prosperam em corredores densamente povoados e de extensão moderada (200 a 500 km), como indicam mais estudos, como o da International Union of Railways (UIC).
Já as análises da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) indicam ser preciso ao menos 6 a 9 milhões de passageiros por ano para equilibrar financeiramente um trem de alta velocidade.
No Brasil, entretanto, essas condições são exceção. Mesmo o eixo Rio–São Paulo, que concentra dois grandes polos metropolitanos, teria dificuldade em atingir a demanda necessária.
Hoje, cerca de 7 milhões de passageiros viajam anualmente na ponte-aérea Rio–SP — que tem bilhetes a cerca de R$ 250 com antecedência e está entre as rotas mais movimentadas do mundo.
As previsões oficiais do trem-bala, por sua vez, chegam a projetar 25 milhões de passageiros anuais, mesmo com passagens a R$ 500, segundo o CEO da TAV Brasil, Bernardo Figueiredo.
No Brasil, existem poucos trens de passageiros, como o que liga Belo Horizonte a Vitória (Foto: Luis War | Shutterstock)
Outras ligações populares nos aeroportos, como São Paulo–Brasília (cerca de 1.000 km) ou Belo Horizonte–Salvador (1.200 km), cruzariam longos trechos de baixa densidade populacional, tornando a rentabilidade ainda mais incerta. Além disso, o relevo brasileiro representa um obstáculo técnico e financeiro: serras e vales exigiriam obras complexas, com túneis ou viadutos que elevam os custos.
Em regiões acidentadas, o custo de construção de linha de alta velocidade pode dobrar, ultrapassando US$ 66 milhões por quilômetro em casos extremos, diz o Instituto Fraunhofer, da Alemanha.
Diferentemente do trem-bala (que opera acima de 300 km/h), os trens rápidos convencionais podem atingir 160 ou 200 km/h com investimentos bem menores – muitas vezes aproveitando trechos existentes e atendendo cidades intermediárias e talvez sendo viáveis.
O projeto do Expresso Pequi (Brasília–Goiânia), por exemplo, foi concebido para rodar a cerca de 160 km/h e com aproximadamente 210 km de extensão. Até ser engavetado, em 2019, o custo era estimado em R$ 9,5 bilhões e a previsão é de que, após começar a funcionar, a linha desse prejuízo por 28 anos.
É por isso que muito do investimento chinês irá para ferrovias de carga. Atualmente, aproximadamente 65% do transporte de carga no Brasil ocorre por rodovias, contra apenas 15% pelas vias férreas.
A China tem mirado essas oportunidades e quer focar trechos ferroviários para escoar commodities brasileiras, integrando nossa malha à sua Nova Rota da Seda.
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Pequim, que construiu um megaporto no Peru, discute financiar uma ligação ferroviária transcontinental ligando o Pacífico ao Brasil. No eixo interno, empresas chinesas já negociam participação no projeto de trem de alta velocidade (TAV) entre Rio de Janeiro e São Paulo, o primeiro trem-bala do Brasil.
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Só a linha que liga Rio e São Paulo custará R$ 60 bilhões, e Tebet já disse que não há dinheiro público suficiente para isso. Dessa forma, grupos da China se juntaram a empresas da Espanha e do Oriente Médio para financiar a obra.
Mas será que um trem-bala é realmente a melhor opção para o Brasil? Aparentemente, não. Tanto que os planos para uma linha de alta velocidade não vão além da rota entre as maiores cidades do país.
Sucesso chinês e rotas deficitárias
A China impressiona pelo sucesso em implantar trens-bala: são 48 mil km de linhas de alta velocidade, a maior rede do mundo. Em 2008, eram apenas 671 km; em 2010 já eram 8.358 km e, para 2030, a meta é chegar aos 60 mil km. Um desenvolvimento tão rápido que serve de propaganda política para o regime comunista, dizem estudiosos do setor.
Porém, do ponto de vista financeiro, nem tudo são trilhos de ouro. Muitas rotas chinesas operam com déficit e dependem de pesados subsídios governamentais. Segundo uma análise da Universidade de Pequim, a receita de passageiros dos TAV na China mal cobre os juros das dívidas contraídas para construí-los.

O endividamento da operadora estatal China Railway saltou de cerca de US$ 58 bilhões em 2005 para US$ 576 bilhões em 2016 – cerca de 70% desse total associado à expansão da alta velocidade. Globalmente, apenas duas linhas de alta velocidade são lucrativas: Paris–Lyon na França e Tóquio–Osaka no Japão. A maioria exige grandes aportes públicos para se manter, como apontam relatórios do Banco Mundial e da OCDE.
Densidade populacional e relevo desafiam viabilidade
A experiência internacional mostra que trens-bala prosperam em corredores densamente povoados e de extensão moderada (200 a 500 km), como indicam mais estudos, como o da International Union of Railways (UIC).
Já as análises da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) indicam ser preciso ao menos 6 a 9 milhões de passageiros por ano para equilibrar financeiramente um trem de alta velocidade.
No Brasil, entretanto, essas condições são exceção. Mesmo o eixo Rio–São Paulo, que concentra dois grandes polos metropolitanos, teria dificuldade em atingir a demanda necessária.
Hoje, cerca de 7 milhões de passageiros viajam anualmente na ponte-aérea Rio–SP — que tem bilhetes a cerca de R$ 250 com antecedência e está entre as rotas mais movimentadas do mundo.
As previsões oficiais do trem-bala, por sua vez, chegam a projetar 25 milhões de passageiros anuais, mesmo com passagens a R$ 500, segundo o CEO da TAV Brasil, Bernardo Figueiredo.

No Brasil, existem poucos trens de passageiros, como o que liga Belo Horizonte a Vitória (Foto: Luis War | Shutterstock)
Outras ligações populares nos aeroportos, como São Paulo–Brasília (cerca de 1.000 km) ou Belo Horizonte–Salvador (1.200 km), cruzariam longos trechos de baixa densidade populacional, tornando a rentabilidade ainda mais incerta. Além disso, o relevo brasileiro representa um obstáculo técnico e financeiro: serras e vales exigiriam obras complexas, com túneis ou viadutos que elevam os custos.
Em regiões acidentadas, o custo de construção de linha de alta velocidade pode dobrar, ultrapassando US$ 66 milhões por quilômetro em casos extremos, diz o Instituto Fraunhofer, da Alemanha.
Alternativas: trens regionais e cargas ferroviárias
Diferentemente do trem-bala (que opera acima de 300 km/h), os trens rápidos convencionais podem atingir 160 ou 200 km/h com investimentos bem menores – muitas vezes aproveitando trechos existentes e atendendo cidades intermediárias e talvez sendo viáveis.
O projeto do Expresso Pequi (Brasília–Goiânia), por exemplo, foi concebido para rodar a cerca de 160 km/h e com aproximadamente 210 km de extensão. Até ser engavetado, em 2019, o custo era estimado em R$ 9,5 bilhões e a previsão é de que, após começar a funcionar, a linha desse prejuízo por 28 anos.
É por isso que muito do investimento chinês irá para ferrovias de carga. Atualmente, aproximadamente 65% do transporte de carga no Brasil ocorre por rodovias, contra apenas 15% pelas vias férreas.
A China tem mirado essas oportunidades e quer focar trechos ferroviários para escoar commodities brasileiras, integrando nossa malha à sua Nova Rota da Seda.
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